segunda-feira, 2 de abril de 2012

O mundo é dos espertos. E você, é esperto(a)?

Você é esperto?

Não, definitivamente você não é!

Isso lhe soa como um elogio ou como uma ofensa? Se lhe soa como uma ofensa se preocupe, pois você pode estar repleto do que há de mais deplorável no ser humano: a esperteza.

Adorno e Horkheimer já nos sugeriam em "A Dialética do Esclarecimento" que a virtude principal de Ulisses (Odisseu) é na verdade um vício: a astúcia. A esperteza que, no entendimento popular, é a arte de "passar os outros para trás", de enganar, ludibriar, foi elogiada por Homero em versos e traduzidos em prosa. E não é qualquer prosa, mas logo as principais, as epopéias fundamentais e fundadoras da nossa civilização: A Ilíada e a Odisséia.

Hoje este comportamento é tão arraigado em nossa sociedade que é frequentemente utilizado como elogio às nossas crianças: “como ela é esperta...”. E não nos enganemos que estamos falando de conceitos distintos. Ou não é a este adjetivo que recorremos quando um pequeno nos prega uma peça, quando nos faz uma chantagem emocional elaborada?

Ensinamos em casa, na escola e na vida o que há de mais sórdido no comportamento humano como se fosse uma virtude, elogiando e estimulando cada passo nesta direção. E continuamos admirando nos adultos tal vício como se virtude fosse: bobo ele não é, fulano é muito esperto. Opomos o esperto ao idiota, ao tolo, ao bobo, xingamentos costumeiros.

E o que é o lucro - essência do capitalismo - senão o ganho "em cima dos outros”? A empreitada capitalista, a Empresa, visa antes de tudo obter vantagens financeiras sobre as necessidade alheias. A vantagem negocial é a forma mais madura da esperteza, como bem sabemos: quem tem lucro extraordinário é logo chamado de esperto, de astuto.

Célebres ditados populares confirmam o elogio à esperteza: “o mundo é dos espertos”, “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, “amigos amigos, negócios à parte”, “a ocasião faz o ladrão”, “em rios com piranhas jacaré nada de costas”, e por aí vai.

E ainda nos indignamos com  a corrupção e a contravenção de modo geral como se não estimulássemos isso cotidianamente em outrem e em nós mesmos. Negamos isso de maneira imperativa como negamos costumeiramente nossa própria vaidade, nosso próprio ego.

Condenamos o estelionatário, o sonegador, o corrupto, a trapaceiro, o vigarista, o malfeitor, enquanto encorajamos a esperteza em nossas crianças desde a mais tenra infância. E culpamos a (falta de) educação pública como raiz de todos os males de nossa sociedade, sem questionarmos de fato os nossos valores mais arraigados.

Desejamos sempre que nossos filhos passem as outras crianças para trás, e que nunca sejam feitos de tolos. E pior, invejamos os vencedores “que pisam nos outros para subirem na vida”, os bem sucedidos, e não costumamos questionar de onde advém tal sucesso, e que para cada “bem sucedido” se fazem inúmeros tolos fracassados. Claro que existem as exceções, que apenas confirmam a regra.

E assim reputamos o fracasso social como obra de idiotas, incapazes, e seguimos desejando aos nossos queridos que espertos sejam e que os inimigos sejam feitos de tolos sempre que possível. O princípio do desempenho se instala na sociedade moderna como um imperativo amoral.

Calcada na astúcia - até sobre o meio ambiente - qual humanidade continuamos construindo? O que será que as outras espécies acham disso? Ou será que não são espertas o suficiente para achar coisa alguma?

E você, é esperto(a)?

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